O partido de Trump e as várias encarnações do conservadorismo norte-americano
ou: Pat Buchanan, Arnold Schwarzenegger e a captura da imaginação política
Pat Buchanan tinha um plano.
O ano era 1965, a guerra do Vietnam acelerava de intensidade, e o Civil Rights Act de 1964 tinha jogado gasolina nas tensões raciais internas nos Estados Unidos. Lyndon Johnson navegava um cenário impossível internamente e externamente, lidando ao mesmo tempo com oposição da esquerda universitária a guerra do Vietnam, com o início da revolução sexual e de costumes que vai ter sua apoteose entre 1968 e 1969 e com as reverberações do movimento de direitos civis norte-americano, que em 64 tinha conseguido impor ao executivo a necessidade de constitucionalizar a igualdade racial - através do Civil Rights Act.
Essas reverberações não são simples. Johnson sabia que a intervenção nos direitos dos estados regulamentarem, internamente, questões raciais custaria caro - o aviso dos estrategistas democratas ao sul era de que uma intervenção nos governos seria o equivalente a abrir mão dos fotos do Sul “por uma geração”.
O partido democrata era, de fato, dividido em duas facções distintas, que tinham em comum apenas uma relação com pautas trabalhistas e uma convicção maior sobre a necessidade da participação do estado na economia. A aliança entre os democratas do sul e do norte era funtamentalmente pragmática - mas o trabalhismo do sul dos estados unidos ainda se sustentava muito em um sistema de trabalho e estudo segregado, e poucos democratas brancos, ao sul, queriam o final desse sistema. Johnson alienou esses eleitores ao determinar a reintegração dos espaços de trabalho, comércio e estudo no sul dos estados unidos, e declarar o fim de qualquer medida segregatória (seguindo uma série de decisões da suprema corte, e legislando definitivamente sobre elas no Civil Rights Act).
Buchanan olhou para esse cenário, e olhou para o mapa dos Estados Unidos. A constatação era tão óbvia quanto oportuna: temos uma oportunidade de capturar não apenas um, mas dois grupos de eleitores. O primeiro grupo, maior do ponto de vista demográfico, eram os eleitores indignados com a intervenção federal na política racial dos Estados ao sul - esse grupo, em 1965, não era de captura imediata pelos Republicanos, boa parte desses eleitores viam os Republicanos como ricos elitistas da costa Oeste, preocupados com debates sobre equilíbrio fiscal e alta literatura na Mansão da Playboy, e muito ansiosos para afirmar o domínio militar norte-americano sobre o mundo. Mas Buchanan não precisava, necessariamente que esses eleitores votassem nos Republicanos. Bastava que eles não votassem nos Democratas. George Wallace, o então governador democrata do Alabama, logo daria para Buchanan uma oportunidade de ouro - uma terceira via.
Mas havia um outro grupo. Um grupo menor, do ponto de vista demográfico, mas mais importante do ponto de vista estratégico. Os pais dos baby boomers. Talvez seja difícil para a gente imaginar o tamanho do rompimento cultural que a geração de jovens progressistas da década de 60 representou nos Estados Unidos, e talvez a gente até romantize um tanto esses jovens progressistas - que na década de 80 vão alegremente votar em Ronald Reagan enquanto contam o dinheiro que o fundo de pensão do papai rende no Banco da América -; mas o fato é que Buchanan entendeu que os boomers podiam ser numerosos, podiam ser barulhentos, mas eles não eram quem iria decidir a próxima eleição. Quem iria decidir a eleição eram os pais dos boomers, que estavam apavorados que a Theresa Schyler Smith (Terry, por favor, só minha mãe me chama de Theresa), bebê da mamãe, tesouro do papai, está morando com o Charlie Guitar (poeta beat, usou mescalina uma vez e conversou com o espírito do Buffalo Bill na Ocean Beach, até escreveu uma música sobre) em um muquifo na Chestnut St, North Beach, San Francisco.
Pat Buchanan definiu esse grupo, que não era majoritário demograficamente, mas certamente era majoritário estratégicamente, como “a maioria silenciosa”, e, gradualmente, inventou um novo partido republicano, um partido que viu nesse grupo um ponto focal de mobilização e para a criação de uma nova imaginação política - um espaço onde inventar um self (uma ideia de americano ideal e de sonho americano, branco, de classe média, relativamente afluente, protestante), e um outro (pobre, dependente, fracassado, sem influência, invejoso, racializado).
A estratégia de Buchanan foi um jogo longo, e que vai mudar o partido republicano muito gradualmente. Inicialmente, ela é vista apenas como uma estratégia de captura de votos - Buchanan escreve discursos para Nixon (de quem ele é coordenador de comunicação tanto na campanha quanto na presidência) e para Reagan, e trabalha no campo político para consolidar esse perfil de votante de forma duradora - apostando todas as fichas em um afastamento radical da imaginação política dos progressistas e dos conservadores.
O plano não funciona, imediatamente. É verdade que esses eleitores existem, e são capturados pelo partido republicano. Mas a política norte-americana é apenas capturada radicalmente por essa divisão entre 1965 e 1972, quando a Terry volta para Sacramento com uma criança no colo e arruma um trabalho na Sears vendendo catálogo.
Buchanan abre uma vertente populista do partido republicano que vai ser, por décadas, periférica. Isso não quer dizer que ela não seja relevante, ou influente - mas a forma como essa vertente populista exerce poder é sempre limitada pelos principais interesses intelectuais e estratégicos do partido, que permanecem relativamente os mesmos a partir de 1974: ampliação do poder militar norte-americano, vencer a guerra fria e afirmar o domínio cultural através de pautas de consumo e de controle fiscal, controle de política migratória. O partido republicano, com Nixon e Reagan, ainda quer ser um partido de elites intelectuais e fiscais, o partido das idéias. Enquanto os movimentos progressistas apontam para uma visão pessimista do status quo americano, os republicanos afirmam o próprio status quo branco, afluente, militar e independente. Os populistas são bucha de canhão, são os soldados rasos da revolução conservadora que Nixon atrasa com Watergate, mas que Reagan extrapola em doze anos de completa hegemonia política dentro dos Estados Unidos.
Ninguém jamais vai acusar Reagan de ser um intelectual. Mas ele serve como um excelente porta-voz de uma intelectualidade republicana que vai se desenvolvendo desde os anos 40, altamente influenciada por uma geração de economistas Austríacos que procuram asilo político nos EUA durante a guerra. Por muito tempo, a aproximação com esses intelectuais foi meramente acadêmica e especulativa - conversas com charutos e vinhos caros na Mansão da Playboy. Nixon tinha pouca paciência para essa gente, Nixon tinha pouca paciência para quem nunca tinha sido pobre. Einsenhower era o modelo de político para Nixon: frio e efetivo - mas ciente de que o Estado precisava existir e regulamentar.
Reagan era um animal diferente. Reagan representa a possibilidade de efetivação do que era discutido especulativamente na Mansão da Playboy. Uma estrela da série B de Holywood, Reagan era moderado na discussão de questões raciais (nunca tinha defendido segregação, por exemplo), não intervencionista em questões de costumes sexuais (faz, mas não conta para ninguém), e cético sobre a eficácia do estado enquanto mediador do bem público. Ele também era um tremendo orador.
Assim como Nixon, Reagan usa a base populista criada por Buchanan. Ao contrário de Nixon, Reagan se aproxima dessa base e empodera ela institucionalmente. Juízes são nomeados em níveis diferentes, todos vinculados com o movimento - um dos maiores parceiros de Buchanan, o advogado e operador político Roy Cohn, chama essa estratégia de “minas terrestres”, Cohn dizia que era preciso conhecer e manipular todos os níveis do processo de estruturação institucional norte-americano, para criar “minas terrestres” para legislações ou decisões judiciais contrárias a prioridade do movimento neo-conservador. Lei anti-racismo? BOOOM, juiz conservador na corte do primeiro distrito de Ohio declara que não tem cabimento. Organização sindical? BOOM, delegado conservador no segundo distrito de Indiana mete a polícia em cima. Política de proteção da infância com medidas de educação sexual? BOOOOM, conselheiro tutelar no terceiro distrito de North Carolina organiza a comunidade para evitar a medida.
A entrada do movimento neo-conservador na política americana é lenta, gradual, e feita da base para o topo - por décadas ela acontece sem afetar perceptivelmente os consensos militares e de mercado que movem a política americana após 1972. É claro que se você perguntar para a comunidade LGBTQ, afetada pela falta de política de combate a AIDS na década de 80, ou para a comunidade negra, afetada pela falta de política de combate ao crack e ao desemprego na década de 80 e 90, as consequências são *muito* perceptíveis. Mas aí, Buchanan está começando a ver seu plano criar frutos: a imaginação política norte-americana muda de tal forma que consegue invisibilizar essas demandas, apagar elas do nexo de prioridades ao mesmo tempo que retrata a própria demanda como insensível, ou fruto de privilégio - o terrível discurso de Reagan sobre “as rainhas do benefício social”, as “welfare queens” retrata bem essa mudança de perspectiva na imaginação política.
Reagan preside o fim da guerra fria, que tem a apoteose na queda do Muro de Berlim, já no governo Bush (pai). A tranformação política-cultural dos Estados Unidos entre 1965 e 1988 é difícil de compreender: os movimentos progressistas são fagocitados, em grande medida, pela revolução reaganita, e sensíveis hippies californianos se tornam afluentes yuppies do vale do silício, e Terry Smith Fritzmenstein (néé Schyler Smith) tem três filhos, é casada com um operador da bolsa , votou no Reagan e no Bush, mas acha que esse jovem do Arkansas, o Clinton, pode ser uma mudança de ares muito boa - e vocês viram o que ele falou sobre desregulamentar o setor de mineração? Acho que vai ser ótimo para a região!
Enquanto isso, algo cozinha nos porões do movimento conservador. Pautas sociais tidas como consensuais pelos americanos nas grandes metrópoles se tornam mobilizadores de uma nova (e velha) maioria silenciosa: no final dos anos 90, tensões raciais, sociais e de classe que estavam embaixo do tapete nos Estados Unidos começam a gradualmente aparecer - e encontram em um escândalo a oportunidade de ser mainstream.
Monica Lewinski e o primeiro ato da nova insurgência republicana
Pat Buchanan ainda tinha um plano.
Em 1992, na conferência republicana, Buchanan aumenta a aposta - as migalhas que Reagan e Bush tinham oferecido ao movimento eram pouco. Muito pouco. Agora os termos da disputa eram maiores, não era mais sobre uma “maioria silenciosa”, mas sobre uma “guerra cultural”. Buchanan conta uma história de horror sobre a perda da hegemonia cultural e identitária americana para movimentos que não tem compromisso com os valores típicos da américa, com a América Real, e acusa tanto republicanos, mas principalmente democratas, de terem perdido o contato com a América no interior, com as famílias de bem - com o sentimento religioso e comunitário dos americanos Reais, que querem ter familias Reais.
Bush perde a eleição para Clinton, e muitas pessoas vão ver na transição uma mera troca de guarda. Um representante da velha guarda militar, uma lenda do setor da inteligência americana, passando o bastão para um jovem promissor do Sul dos Estados Unidos - o primeiro boomer presidente se elegeu, é claro, com um discurso totalmetne afinado com a cultura Yuppie.
Clinton é um progressista perfeitamente filtrado para apelar para as sensibilidades do consenso americano do pós 1972, e a presidência, entre 1992 e 1996, é caracterizada por uma continuação (e intensificação) dos dogmas de identidade pelo consumo, junto com algumas medidas de reconhecimento de grupos sociais alinhados com o progressismo (especialmente movimento negro e lgbtq) que não tinham tido tanta margem de manobra durante os anos Reagan e Bush I.
Buchanan não fica nada feliz com o fato dos republicanos parecerem tolerar Clinton como um modelo de nova política. Tanto que recusa-se a aceitar o resultado da primária republicana de 1996, e lança uma candidatura independente para a presidência - que fracassa, do ponto de vista eleitoral, mas que lança uma série de demandas em nível nacional que, até então, eram consideradas extremas demais pelo movimento conservador para serem ditas em público.
Muitos conservadores seguiram a dança que Buchanan sugere, vendo nela uma oportunidade de apelar para um grupo de eleitores extremamente motivados, mas que ainda não tinha representantes que fizesse eco às suas demandas. Esses eleitores mostraram uma fidelidade espantosa: desde que os candidatos seguissem a cartilha neo-conservadora de valores e de combate às elites, eles tinham os votos.
Então, o escândalo Monica Lewinsky acontece. Com ele, esses novos conservadores tem a primeira oportunidade de mostrar força como mainstream do partido, liderados por Newt Gingrich, usam o affair de Clinton com sua ex-secretária como uma plataforma para criticar a perda de valores americanos, de família, de comunidade, de nação.
O interior dos Estados Unidos respondeu vivamente ao chamado de Newt. Clinton sobrevive ao Impeachment no Senado (depois de sofrer o impeachment na Câmara), e Al Gore enfrenta um republicano com um pedigree Reaganita enorme no embate para a casa branca em 2000.
2000 e a forma do conservadorismo que vêm
George W. Bush, o Júnior, o Dúbia. Que sujeito.
Ninguém vai acusar George W. Bush de ser um intelectual. Nem de ser um membro brilhante da comunidade de inteligência. Muito menos de ser um grande orador. George W. Bush é, acima de tudo, um fudido.
Eleito governador do Texas na base da troca de favores de papai, que queria formar uma dinastia política aos moldes dos Kennedies, W. tem uma história pessoal interessante. Alcoolatra, fracassado na universidade e na carreira militar, W. descobriu Jesus e o movimento neo-pentecostal. Formulou toda sua atuação política para provar para papai que conseguia fazer as coisas sem o velho, ao mesmo tempo que se cercou de todos os operadores políticos com quem o pai havia crescido na comunidade de inteligência (Dick Cheney e Donald Rumsfeld, especialmente).
Bush representa, no entanto, uma coisa diferente dentro do partido republicano. Um casamento entre uma dinastia política americana tradicional e perfeitamente inserida dentro do consenso Reaganita no partido, com a nova insurgência neo-conservadora. Bush é um republicano born again, nascido novo em Cristo.
Durante a campanha contra Gore quase nenhuma dessas características de Bush é falada para o mainstream. Na verdade, Bush concorre para a campanha propondo, basicamente, fazer um governo tipo o do Clinton, mas sem aquele monte de pervertido doido que tá nomeando radicais para a Suprema Corte. Ele concorre, na pauta social, com propostas até mais intervencionistas que as de Gore, sugerindo um plano de saúde mais abrangente que o dos Democratas, e incentivos para o setor industrial. Um conservador amável.
Dia de votação. Uma eleição se torna sobre a Florida. Cédulas extremamente questionáveis parecem sugerir que o Estado deveria ser atribuído para Gore, Bush insiste que a suprema corte da Florida se manifeste sobre o assunto.
*MINAS TERRESTRES EXPLODEM AO FUNDO*
Dezesseis anos de transição: W, Obama e finalmente
W foi, certamente, um presidente dos Estados Unidos da América.
A presidência de GWB é definida pelos atentados de 11 de Setembro. Apesar de ter se apresentado como um presidente interessado, sobre tudo por assuntos internos, Bush faz um governo definido pela política externa, e a eleição de 2004 é emoldurada pela guerra no Iraque e no Afeganistão.
O movimento neoconservador viu nesses dois conflitos uma oportunidade de permear o discurso militar e de segurança norte americano com um conteúdo identitário e religioso que não tem precedentes no século XX dos Estados Unidos. A guerra contra o terror vira, então, uma guerra com conteúdo profundamente religioso para o movimento neo-conservador, um front para a afirmação da hegemonia religiosa na pauta estratégica do partido conservador. Durante oito anos, Bush tem que lidar com uma crescente demanda de protagonismo pelos membros mais extremos dessas linhas religiosas, todos treinados e formados dentro dos porões do movimento liderado por Pat Buchanam, enquanto precisa equilibrar crescentes oposições da esquerda e do movimento progressista contra as guerras e contra a política de não-regulamentação que Bush lidera no setor financeiro (que, em 2007 e 2008 vai explodir na maior crise do mercado financeiro desde os anos 1920).
Em 2008 Obama vence as eleições. Muita gente vê a vitória decisiva de Obama contra McCain como natural, depois do desgaste dos oito anos do governo GWB, e da saturação da discussão sobre valores e religião dentro das metropoles norte-americanas. Muita gente vê, inclusive, na vitória decisiva de Obama uma derrota decisiva do movimento conservador. Os conservadores haviam, finalmente, perdido a guerra cultural declarada por Buchanam em 1992.
Buchanam tinha outras ideias. Alguém poderia dizer que Buchanam tinha um plano.
As derrotas de McCain em 2008 e Romney em 2012 empoderam o movimento conservador de forma paradoxal. A mensagem é clara: os velhos representantes do consenso Reaganita, do conservadorismo comportado, engravatado, que toma vinhos finos na Mansão da Playboy não são mais representantes do conservadorismo. Esse movimento não é mais um movimento de elite, um movimento intelectual, um movimento de ideias.
Esse movimento é uma insurgência radical.
Do Tea Party até Donald Trump (tinha um Arnold Schwarzenegger no meio do caminho)
Fabrício de deus, o que caralhos o Arnold Schwarzenegger tem a ver com isso? O Arnie é um sensível republicano Californiano, com ideias super progressistas sobre o meio ambiente, ele fala macio, é fofinho, ele só é republicano porque ele acredita em desregulamentação do mercado e não é comunista que nem os democrata da California. Por deus, Fabrício, o Arnold era casado com uma Kennedy!
Mas aí que tá. O Arnold, na California, radicaliza algo que Reagan tinha apenas sugerido: o político como celebridade. Reagan era famoso, tinha feito alguns filmes, as pessoas viam ele como um cowboy, um ator que tinha desde cedo se envolvido com política.
Arnold Schwarzenegger, por outro lado, é a própria definição de uma celebridade nível A. Reconhecido em qualquer lugar do mundo, protagonista de alguns dos filmes mais rentáveis de todos os tempos, o Arnie é um símbolo de Holywood - e concorre tentando apontar para a necessidade de algo novo, brilhante, divertido, diferente. A campanha de Arnie para o governo da Califórnia é uma moldura perfeita para como uma estrela de cinema (ou de televisão) pode se tornar algo diferente: um político.
Arnie, ele mesmo, nunca quebrou com nenhum dos dogmas do partido republicano californiano, ou mesmo do Grande Consenso Americano pós 1972 (se vocês querem chamar isso de neoliberalismo, vão em frente, até porque é isso mesmo). O que ele fez, no entanto, foi quebrar um outro dogma: políticos podem ser famosos, mas não podem ser tão famosos assim.
Um apresentador de televisão, ex cliente de Roy Cohn, e magnata do setor imobiliário, certamente estava prestando atenção.
Enquanto Arnie governava a California como um Republicano perfeitamente inofensivo e que usava os talheres, o movimento neo-conservador ganhava mais tração durante o governo Obama. Motivados por pautas raciais e em reação ao que viam como um desrespeito ao seu modo de vida, os neo-conservadores, alimentados a 40 anos por uma dieta constante de paranoia racial e social, levaram suas demandas para o congresso republicano e, decidiram, que o partido tinha que reconhecer neles a sua principal força.
Ninguém aguentava mais ter que ficar só com a vice-presidência ou alguma agência de governo aqui ou ali, agora eles queriam protagonismo total. Controle da pauta. Não era mais a era da mina terrestre. Era o momento da insurgência se tornar o mainstream.
Um magnata do setor imobiliário seguia, atento, prestando atenção.
O partido de Trump
Primárias republicanas, 2015-2016. O consenso é que essa vai ser uma eleição difícil para os Republicanos. Apesar de vitórias nas eleições do congresso em 2014, e da baixa popularidade de Obama ao final do mandado, todos os candidatos que os Republicanos parecem ter para oferecer são mais do mesmo - versões um pouco menos carismáticas de Romney, ou conservadores sem carisma, do Sul.
Do outro lado, no partido Democrata, existe uma sensação de euforia. Finalmente teremos uma presidenta. É a vez da Hillary. Mais que isso: Hillary eleita significaria, pela primeira vez no pós-guerra, uma suprema corte dominada por juízes progressistas! A recusa dos republicanos radicais em nomear o juíz sugerido por Obama só aumentava a necessidade de levar esse assunto para a pauta: nós ganhamos a revolução de costumes, a revolução cultural! Precisamos pautar isso também no supremo! Acelerar a hegemonia cultural progressista também no âmbito institucional. A eleição de Hillary seria a cristalização da opção dos republicanos pelo radicalismo, pelo velho identitarianismo do Sul, como algo velho, superado.
Donald Trump, então, decide concorrer para a candidatura do lado republicano. Absolutamente ninguém levou a coisa a sério. DONALD TRUMP? O apresentador do Aprendiz? O cara do “You are fired?”? Por favor, o sujeito é uma piada. Ele tá fazendo isso para lançar a própria rede de TV. Ele tá fazendo isso para lançar uma temporada nova do aprendiz. Não, não, é sobre empreendimentos dele na Rússia, ele quer só ganhar mais tração nisso. Não é sério. Nossa, se ele for o candidato a Hillary vai massacrar ele.
Deu no que deu.
Em 2016 Trump vence a eleição delegada (apesar de perder, por mais de três milhões de votos, na eleição direta). Vence, sobretudo, com uma pauta vinculada a valores, a decadência americana, a perda de status das identidades típicas do trabalhismo americano, tomando vantagem de tensões raciais e, sobretudo, usando toda a experiência de anos e anos na mídia. Trump é uma celebridade que se torna o símbolo de todo um movimento.
Se hoje, o partido Republicano é o partido de Trump é porque ele cristaliza mais de sessenta anos de um movimento gradual de radicalização da base republicana, que acelera-se (não coincidentemente) diante da eleição do primeiro presidente negro nos Estados Unidos e na possibilidade da primeira presidenta mulher. Um movimento que precisava de um quadro carismático encontra no Trump alguém pronto para assumir suas demandas em troca de poder - e Trump, em retorno, transforma aqueles juízes, delegados e conselheiros tutelares que formaram o campo minado do movimento Reaganita em senadores, deputados federais, juízes da suprema corte, comandantes do exército - é uma presidência de apenas quatro anos, e que não é re-eleita, mas que deixa um lastro instituicional enorme e que transforma o partido republicano integralmente.
A maioria silenciosa de Buchanam, agora, é toda a linguagem de um movimento identitário radical. Nos próximos meses a gente vai ver o teste de tensão final desse grupo: se ele consegue eleger Trump novamente, depois de quatro anos de tentativa desesperada de afirmação de normalidade por Biden (em um cenário que é qualquer coisa menos normal), então temos uma longa hegemonia desse grupo. Se Trump não for eleito, e o movimento perder força no congresso, talvez a gente veja, em oito anos, mais uma transformação do partido republicano.
P.S.: Arnold Schwarzenegger, em 2017, assume um programa na televisão, substituindo uma celebridade que trabalhava no setor imobiliário. O programa chamava-se “O Aprendiz”. A edição com o Arnie é um fracasso retumbante.
P.P.S: Hoje, Buchanam dirige um think tank radical chamado VDARE. Virgina Dare. O nome da primeira mulher nascida nos Estados Unidos da América. Por falta de palavra melhor, trata-se de um grupo supremacista. É um dos grupos políticos que mais cresce nos Estados Unidos.
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Many thanks
pela consultoria sobre a California—